Formação de professores na imprensa de Leopoldina (1900-1930)

O atual projeto investiga como  e onde se deu a formação de professores em Leopoldina, no período que corresponde à Primeira República. Buscamos estas informações na imprensa escrita, especificamente, no Jornal Gazeta de Leopoldina. Até o presente, constatamos que as principais instituições responsáveis pela formação de professores no município foram o Curso Secundário, que formava Bachareis em Letras, e a Escola Normal, que formava professores primários. Ambos os cursos funcionaram no Ginásio Leopoldinense, no período analisado. Cabe agora, aprofundar a investigação da cultura escolar desta instituição, presente na imprensa, para conhecermos um pouco mais sobre seus professores, alunos e qual o destino dos mesmos após sua formação.

A Escola Normal em Leopoldina/MG

 

 

No contexto republicano surge o Ginásio Leopoldinense, inaugurado em 1906, no município de Leopoldina/MG, situada ao leste da Zona da Mata mineira. Este estabelecimento de ensino leigo e particular foi idealizado por José Monteiro Ribeiro Junqueira (1871-1946) e seu irmão Custódio Junqueira, configurando-se como um exemplo de estabelecimento de ensino criado para conformar-se aos projetos políticos das oligarquias locais.

O Ginásio Leopoldinense se destacou dentre as outras 13 instituições escolares criadas no município durante o período de 1896 a 1926, [1] por oferecer um ensino abrangente: ensino primário, ensino secundário, ensino normal e ensino superior em Odontologia e Farmácia, além de oferecer ensino agrícola, a partir de 1912, e ensino comercial, a partir de 1929.

O Jornal Gazeta de Leopoldina, criado em 1895, e também dirigido por José Monteiro Ribeiro Junqueira, apresentou durante o ano de criação do Ginásio várias críticas ao governo do estado em relação à falta de manutenção das escolas estaduais presentes no município. Tal depreciação serviria, não apenas para denunciar o descaso do poder público estadual retirando a responsabilidade da municipalidade, como também para justificar e valorizar a iniciativa de criação do Ginásio Leopoldinense, pelo diretor do Jornal, em 1906, como demonstrado no discurso de José Botelho Reis, secretário e professor da instituição que, em 1910, assumiu a direção:

 

A fundação do Ginásio Leopoldinense marca na história de Leopoldina o início brilhantíssimo de uma nova e fecunda época, que jamais será olvidada pelo povo desta parte rica e florescente do Estado de Minas Gerais. Na estagnação dolorosa em que debatia Leopoldina, há sete anos passados, surgiram, como uma consoladora esperança, os vultos eminentes e altamente queridos dos Drs. José Monteiro Ribeiro Junqueira e Custódio Junqueira, possuidores de energia inquebrável, de uma vontade indomável, e levantaram, com assombro, dos cépticos e descrentes, a ideia da criação de um estabelecimento que fosse viveiro de homens dignos e superiormente instruídos. Foi uma passada agigantada, um empreendimento que parecia acima dos recursos existentes nesta cidade simples e modesta e que tendia a abismar numa decadência próxima e inevitável. Ao ser lançada tão patriótica quão humanitária ideia, houve o espanto de alguns, que já a julgavam perdida ou irrealizável e previam a sua ruína na asfixia de materialidade brutal, que às vezes costuma levar de vencida, esmagando os ideais mais puros e elevantados. (...) (Apud NOGUEIRA, 2011, p.73)

 

 

Em 19 de fevereiro de 1906, Ribeiro Junqueira recebe a escritura do sobrado onde funcionava a antiga farmácia central, do capitão Antonio Jose Alves Ramos, adquirida para a instalação do Ginásio. Iniciam-se as reformas e adaptações necessárias ao funcionamento da escola, quando então é constituída uma sociedade civil com o patrimônio inicial de 50 contos.

O sobrado situado à Praça Visconde do Rio Branco, na parte central da cidade, onde funcionava o Ginásio Leopoldinense, foi descrito por Custódio de Almeida Lustosa, em 1913. De acordo com a descrição dada, a instituição, existente e em funcionamento até os dias atuais, possuía, em sua entrada, um jardim e varanda e em seu interior uma sala de visitas. Ainda no saguão, há uma biblioteca, provida de uma oficina de encadernação, mais além, o refeitório, a cozinha, e ainda, o salão de festas onde eram realizadas as colações de grau, as comemorações cívicas, as conferências, bailes, teatro dos alunos, recitais e ensaios oratórios. Na parte superior do edifício ficam localizados os dormitórios, para os alunos internos. Além desse prédio, foi necessária a apropriação de um prédio vizinho para dar conta de abranger o ensino de todos os cursos oferecidos na instituição.

Sobre as salas de aula e o recreio, Custódio de Almeida Lustosa, professor do Curso Normal apresenta a seguinte descrição, que nos dá ideia da constituição dos materiais didáticos e dependências de ensino disponíveis no Ginásio, bem como da concepção de ensino adotada:

 

Todas as salas de aula são munidas de carteiras magníficas como apenas vi em raros colégios do Rio. Os quadros negros, os mapas murais, os aparelhos variadíssimos, para o ensino intuitivo, estão sempre à disposição do professorado que assim dispõe de todas as facilidades para alcançar os mais brilhantes resultados.

As aulas do curso normal são inteiramente diversas das que se destinam ao curso ginasial. É apenas comum aos dois cursos o gabinete de ciências Físicas e Naturais, que funciona em um grande salão retangular, guarnecido de armários carregados de retortas, globos, tubos, ossos, animais embalsamados, mil aparelhos, enfim, que lhe dão aspecto de uma sala de museu.

As outras salas se destacam por seu aspecto especial: a de costura, com a sua mesa de corte, as suas máquinas e as suas gavetas de costureiras, etc., e a salinha do ‘jardim de infância’, com a mesinha mignonne rodeada de cadeirinhas que mais parecem de brinquedo. (...)

O recreio é da mesma forma convidativo e atraente: vasta área plana prestando-se admiravelmente ao foot-ball, à barra, às corridas, etc.; ali só deixará de brincar...quem estiver ‘privado do recreio’, o que aliás é raríssimo. (LUSTOSA, 1913, s.p) [2]

 

Dentre os fins do ensino secundário e normal, oferecido pelo Ginásio Leopoldinense, equiparado ao Ginásio Nacional do Rio de Janeiro e à escola normal da capital do estado, são apresentados pelos estatutos da instituição, em 1911:

 

a)           Proporcionar à mocidade educação indispensável ao bom desempenho dos deveres do homem e cidadão;

b)           Preparar os alunos para os cursos superiores da República e para o bacharelado em ciências e letras;

c)           Formar professores para o exercício do magistério primário no estado de Minas Gerais.

Art. 2º O Ginásio mantém curso primário e secundário sendo dada, em qualquer deles, educação física, moral e cívica. (apud NOGUEIRA, 2011, p.91)

 

 

A Escola Normal do Ginásio Leopoldinense foi equiparada às escolas oficiais, em 06 de setembro de 1906, pelo decreto n.1942, do então presidente do estado de Minas Gerais, Dr. Francisco Salles, e o ensino secundário foi equiparado ao Ginásio Nacional, em 26 do novembro de 1908, pelo dec. 7193. (NOGUEIRA, 2011)

O curso normal oferecido pela instituição foi criado em 06 de setembro de 1906, porém, em 30 de dezembro de 1906, foi publicado o comunicado de que não seria aberto curso normal naquele ano, em decorrência da falta de número de matrículas suficientes para ser mantida pelo Estado, conforme art. 199. Seriam guardadas as inscrições para criação de um curso preparatório para ingressar no curso normal no ano seguinte, sendo o curso inaugurado em 21 de fevereiro de 1907. [3]

Sua inauguração foi marcada por solenidades que ocorreram ao longo do dia e foram noticiadas pelo Jornal Gazeta de Leopoldina do dia 24 do mesmo mês. Às 10 horas da manhã teve início a missa que contou com a presença do corpo docente do curso normal e ginasial. Após houve um desfile dos alunos do ginásio, com uniforme militar e das alunas do normal com veste azul e encarnado.

Às 14 horas estavam presentes, no salão do Ginásio, docentes, discentes e os diretores: Ribeiro Junqueira, Custódio Junqueira e Henrique Cruz. A abertura da solenidade foi realizada por Custódio Junqueira, seguido do discurso de Pimenta Bueno sobre os professores. Logo após houve um Harmonium de Affonso de Albuquerque e cantaram-se os hinos escolares.

O encerramento foi feito com um discurso pronunciado por Ribeiro Junqueira, que naquele ano havia sido pela segunda vez, agente executivo em Leopoldina, e que afirmou ter siso a iniciativa do curso normal do Ginásio Leopoldinense uma resposta à solicitação das moças do município, que reivindicaram junto ao poder local. Fez ainda referência às agitações sociais e à aspiração geral a esse tipo de instituição. Após o discurso, Pimenta Bueno recitou um soneto.

Às 8h30 da noite deu início o baile no salão do Ginásio. Apresentaram-se como oradores o professor Matolla, que falou em nome das alunas da escola Normal, e o Dr. Heitor de Souza, deputado, que discursou em nome do povo de Leopoldina.

Jaques Maciel, então promotor de justiça e vice-consul de Portugal, falou em nome da colônia portuguesa, que apoiava a iniciativa de criação do curso Normal. Seu discurso fazia apologia à influência das mulheres na direção dos destinos sociais. O encerramento mais uma vez ficou a cargo de Ribeiro Junqueira, e após seu pronunciamento recorreu o baile até às 3h da madrugada.

Além dos convidados acima apontados, o evento contou com a presença de convidados externos ao município, como: Heitor de Souza, Coronel Joaquim Gomes de Araújo Porte, presidente da Câmara Municipal de Cataguases, Dr. Francisco Batista de Paula, a filha de Dr. Joaquim Figueira da Costa Cruz e sua irmã, a esposa e filhos do Capitão José Francisco Furtado, o Coronel Inácio Custódio Botelho e sua filha, o Capitão Jorge Martins Ferreira, Nicola Perrô, e o professor José Francisco Aycardy, dentre outros.

Na data de inauguração, o espaço físico do sobrado destinado às aulas do curso Normal era composto por: 5 salas de aula, mobília em sistema americano, gabinete de física, química e história natural, com espécies de fauna preparados e doados pelo Tenente Francisco Pimenta de Oliveira.

A escola Normal do Ginásio Leopoldinense era destinada ao sexo feminino e funcionava em regime de externato, no prédio anexo, até 1922, quando então foi inaugurada a Escola Normal Imaculada Conceição, próxima à Catedral do município de Leopoldina, tendo passado a ser ministrado o ensino Normal por religiosas católicas.  

Para ingressar na Escola Normal, os alunos precisavam realizar um exame de admissão, através do qual deveriam ser demonstrados seus conhecimentos sobre noções de português, geografia, aritmética e história do Brasil, conforme informado pela notícia do Jornal Gazeta de Leopoldina de 16 de dezembro de 1906, sobre o encerramento da matrícula de alunos na Escola Normal no dia 28 daquele mês.

O ementário de Leopoldina trouxe uma relação contendo alguns dados sobre o número de formandos diplomados entre 1907 e 1922, na Escola Normal do Ginásio Leopoldinense. Segundo estes dados, dentre os 31 formandos diplomados, 2 atuaram em escolas particulares, 20 em escolas públicas, 2 como mestre escola, 1 exerceu outras atividades no magistério público, além de atuar como professor, e 6 deles não haviam lecionado até o ano de 1922. Estas informações mereceram uma análise mais aprofundada sobre o perfil das alunas formadas na Escola Normal. [4]

Tomar o movimento dos alunos é, segundo Magalhães (2004), representativo da relação entre a comunidade e a instituição, da política de acesso e sucesso do ensino e de continuidade dos egressos, da relação entre oferta e procura, da origem geográfica, econômica, social e cultural dos alunos.

 

 

 

 

 

 



[1] Ateneu Vitor Hugo (1894), Colégio D. Silvério (1909), Colégio Figueira, Colégio Franco, Colégio Imaculada Conceição (1918), Colégio Leopoldinense (1898), Colégio Nossa Senhora de Lourdes, Colégio Santa Eulália, Colégio São José (1926), Colégio São Sebastião (1902), Colégio Sagrado Coração de Jesus (1920?), Escola Professor José Aquiles (1902?), Externato Rui Barbosa (1910). Informações extraídas de NOGUEIRA, 2011, p.85-86)

[2] Apud Leopoldinense: Álbum comemorativo de seu sétimo aniversário (1906-1913). 03 de julho de 1913. Leopoldina–MG.

[3] A Escola Normal contava também com vagas para alunas pobres, reivindicadas pelas Bases da Sociedade Educadora Leopoldinense, a qual tinha por fim auxiliar a educação das moças pobres no magistério.

 

[4] A escola Normal do Ginásio Leopoldinense não foi o único estabelecimento de ensino nesse período, em Leopoldina. Em 31 de janeiro de 1907, o Jornal Gazeta de Leopoldina noticia a matricula de 54 meninas na escola estadual do sexo feminino da professora Maria Bárbara da Conceição Medeiros. E no mesmo dia, a ascendência de 49 alunos matriculados do curso normal. Também no município vizinho de Juiz de Fora, foi inaugurada a fundação, em 13 de março de 1908, de uma Escola Normal particular, sob a direção de Cornélio Goulart Villela, que ao contrario da escola Normal do Ginásio Leopoldinense, não gozava do status de equiparação às escolas oficiais.